Pular para o conteúdo principal

HISTÓRIA A CONTA-GOTAS - JOSEFA MARIA COURÁ

PELA TRANSCRIÇÃO JOSÉ ALUÍSIO BOTELHO


DE ESCRAVAS À SINHÁS - JOSEFA MARIA E ROSA: NA ROTA DO DIVINO
Texto de LUIZ MOTT, Antropólogo, professor da Universidade Federal da Bahia.
JOSEFA MARIA ficou na história através de um sumário de culpas que localizei na Torre do Tombo intitulado: “Para se proceder contra as feiticeiras”. Esta negra fora acusada de ser a líder e a proprietária de uma casa de cultos nas Minas de Paracatu (hoje a 200 quilômetros de Brasília), onde se realizava a Dança de Tunda, também chamada Acotundá, um ritual de louvor ao Deus da nação Courá. Segundo depoimento de algumas testemunhas que participaram de tais cerimônias, o ídolo venerado era representado “por um boneco de barro com cabeça e nariz à imitação do Diabo, espetado em uma ponta de ferro, com uma capa de pano branco, colocado no meio da casa em um tapete, com umas frigideiras em roda, e dentro delas, umas ervas cozidas e cruas, búzios, dinheiro da Costa, uma galinha morta, uma panela com feijão, moringas de água etc. Vestidas com saias de chita, ao som de atabaques, uma vintena de negras de diferentes etnias e alguns negros, dançavam freneticamente, entrando em transe quando recebiam o santo”. O “padre” deste proto candomblé era Josefa Maria: “caindo no chão como morta, na Dança da Tunda, depois subia em cima da casa e se punha a pregar na língua de Courá, dizendo que era Deus e filha de Nossa Senhora do Rosário e afilhada de Santo Antonio; que o Santo de sua terra estivera sete anos de joelhos diante de Nossa Senhora e trouxera de Roma uma carta para nessas Minas se lhe fazer uma igreja, e que o Reverendo Doutor Visitador lhe rasgara. E na mesma ocasião da dança dizia que era Deus, que tinha o céu e a terra, águas e pedras, e tudo que havia no tinha criado(sic).
No meio do salão, entre um transe e outro, Josefa Maria abençoava uniões conjugais de seus devotos, curava leprosos, adivinhava o futuro, tirava feitiços(calundus), e na escuridão de seu humilde templo coberto de palha imitava o Rei Midas, transformando folhas de árvore em pepitas de ouro. Prodígios tão formidáveis redundaram em fama e prestígio social para a liberta macumbeira: além de uma vintena de filhos e filhas de santo, “todas as noites de sábado acorriam à sua casa, no córrego dos Macacos, grande número de negros e negros de todas as vizinhanças do arraial, que adoravam, e levavam de presentes galinhas, galos e outras coisas mais, como o negro Manoel Barbeiro, que lhe deu uma cruz com três oitavas de ouro e uma garrafa de azeite destilado que servia para tirar calundus”.
Aos incrédulos, Josefa Maria ia pessoalmente em suas casas ameaçar-lhes com futuros castigos por parte de Deus da terra de Courá. Por interferência dos capitães do mato, a dança da Tunda é desbaratada, e o vigário geral de Paracatu manda aos inquisidores o referido sumário, denúncia que ficou arquivada nos arquivos secretos do Santo Ofício, sem merecer despacho algum, semelhante ao que aconteceu com centenas de outras acusações de mesmo gênero, procedentes do Brasil: o Santo Tribunal estava mais interessado na época em perseguir judeus e cristãos-novos do que gastar tempo e dinheiro com os rituais sincréticos e batuques de negros boçais. Provavelmente, Josefa Maria e seus discípulos foram asperamente repreendidos pela autoridade eclesiástica local, reiniciando alhures, com mais cautela, os mesmos rituais gentílicos.

Fonte: Revista “Mulherio”, ano VIII, nº36, janeiro de 1988, disponível no site da BNDigital.

Comentários

Postagens mais visitadas

DONA BEJA E AS DUAS MORTES DE MANOEL FERNANDES DE SAMPAIO

Por José Aluísio Botelho A história que contaremos é baseada em fatos, extraídos de um documento oficial relativo a um processo criminal que trata de um assassinato ocorrido na vila de Araxá em 1836. O crime repercutiu no parlamento do império no Rio de Janeiro, provocando debates acalorados entre os opositores do deputado e ex-ministro da justiça, cunhado do acusado, como se verá adiante. Muitos podem perguntar porque um blog especializado em genealogia paracatuense, está a publicar uma crônica fora do contexto? A publicação deste texto no blog se dá por dois motivos relevantes: primeiro, pela importância do documento, ora localizado, para a história de Araxá como contraponto a uma colossal obra de ficção sobre a personagem e o mito Dona Beja, que ultrapassou suas fronteiras se tornando de conhecimento nacional. Em segundo lugar, porque um dos protagonistas de toda a trama na vida real era natural de Paracatu, e, portanto, de interesse para a genealogia paracatuense, membr

FAZENDAS ANTIGAS, SEUS DONOS E HERDEIROS EM PARACATU - 1854 E 1857.

Por José Aluísio Botelho                A LEI DE TERRAS DE 1850 Desde a independência do Brasil, tanto o governo imperial, como os governos republicanos apresentaram inúmeros projetos legislativos na tentativa de resolver a questão fundiária no Brasil, bem como regularizar as ocupações de terras no Brasil. A lei da terra de 1850 foi importante porque a terra deixou de ser um privilégio e passou a ser encarada como uma mercadoria capaz de gerar lucros. O objetivo principal era corrigir os erros do período colonial nas concessões de sesmarias. Além da regularização territorial, o governo estava preocupado em promover de forma satisfatória as imigrações, de maneira a substituir gradativamente a mão de obra escrava. A lei de 1850, regulamentada em 1854, exigia que todos os proprietários providenciassem os registros de suas terras, nas paróquias municipais. Essa lei, porém, fracassou como as anteriores, porque poucas sesmarias ou posses foram legitimadas, e as terras continuaram a se

LIVRO DE GENEALOGIA PARACATUENSE

Apresentamos aos nossos leitores, em formato impresso e também no e-book, livro que conta de maneira resumida a história de Paracatu, bem como a genealogia da família Botelho e suas alianças com as principais troncos familiares que lá fincaram raízes, bem como as trajetórias de ascensão social, política e econômica desses grupos familiares hegemônicos. Clique na imagem abaixo para adquirir o livro na Amazon.com Clique aqui para visualizar uma prévia do livro.

SUBSÍDIOS GENEALÓGICOS: OS COSTA PINTO - UM TRONCO

Por José Aluísio Botelho Colaborou Eduardo Rocha Família pioneira no arraial do ouro, formadora da elite local e que floresceu durante o decorrer do século XIX. Iniciou-se com as uniões de João da Costa Pinto e D ona Domingas Rodrigues da Conceição, e do coronel Antonio José Pereira** e dona Maria Tereza de Castro Guimarães. Desses casais, nasceram dentre outros, Antonio da Costa Pinto e dona Francisca Maria Pereira de Castro, que se casaram no milésimo do século XVIII. *Nota: o coronel Antonio José Pereira foi administrador dos Dízimos entre 1789 e 1807; faleceu em 1812. O coronel Antonio da Costa Pinto nasceu em Paracatu por volta de 1775 e aí faleceu a 06 de agosto de 1827. Na política local foi aliado dos Pimentéis Barbosa, tendo sido ouvidor interino da vila de Paracatu do Príncipe em 1820, época de grandes turbulências na política local, bem assim em todo o Brasil, precedendo a independência. Deixou grande fortuna: Olímpio Gonzaga, que parece ter tido acesso ao inventári

SÉRIE - PIONEIROS DO ARRAIAL DO OURO 8: OS BATISTA FRANCO

José Aluísio Botelho                  Eduardo Rocha  Mauro César da Silva Neiva Família originada no norte de Minas Gerais. Um pouco de história: em 1729, o governador da Bahia foi comunicado

FAMÍLIA GONZAGA

Por José Aluísio Botelho FAMÍLIA GONZAGA – TRONCO DE PARACATU Essa família iniciou-se em 1790, pelo casamento do Capitão Luiz José Gonzaga de Azevedo Portugal e Castro, fiscal da fundição do ouro em Sabará – MG, em 1798, no Rio de Janeiro, com Anna Joaquina Rodrigues da Silva, natural do mesmo Rio de Janeiro, e tiveram oito filhos, listados abaixo: F1 – Euzébio de Azevedo Gonzaga de Portugal e Castro; F2 – Platão de Azevedo Gonzaga de P. e Castro; F3 – Virgínia Gonzaga; F4 – Florêncio José Gonzaga; F5 – VALERIANO JOSÉ GONZAGA; F6 – Luiz Cândido Gonzaga; F7 – José Caetano Gonzaga; F8 – Rita Augusta Gonzaga. F5 - Valeriano José Gonzaga, natural de Curvelo,Mg, nascido em 21.07.1816 e falecido em 1868 em Paracatu, casou em 21.07.1836, com Felisberta da Cunha Dias, nascida em 15.08.1821 e falecida em 10.08.1910, natural de Curvelo; foi nomeado Tabelião de Paracatu, tendo mudado para o lugar em 1845, aonde tiveram os filhos: N1 - Eusébio Michael Gonzaga, natural de