Por José Aluísio Botelho
Resgatamos,
após minuciosas pesquisas, alguns escritos de Olympio Gonzaga que se
encontravam desaparecidos, dentre eles, crônicas que escreveu
para seu livro não editado, Lendas do Brasil Central, transcritas na
grafia original, tal como ele as concebeu, sem correções
ortográficas e gramaticais, para que nossos leitores avaliem a
qualidade dos textos e sua importância para a história de Paracatu.
Sobre
o autor: Olympio Gonzaga foi um homem inquieto, preocupado em
resgatar a história de Paracatu, através de texto históricos,
crônicas, narrativas de acontecimentos verídicos (como o caso dos
jagunços do vale do Urucuia em 1926), seja através de registros
fotográficos. Autodidata no campo da história, com formação
escolar deficiente, tinha enorme dificuldade na interpretação de
textos, as vezes se confundindo com as informações obtidas, falta
de didatização em seus textos, bem como apresentava dificuldades no
manejo da língua portuguesa. Mas, isto não importa, até porque, em
uma cidade que foi chamada de a “Atenas Mineira”(em alusão ao
alto nível intelectual de inúmeros paracatuenses daquele tempo),
desde os descobertos de 1744 até meados do século vinte, ninguém
se atreveu a registrar a história de Paracatu para a posteridade, e
ele o fez com abnegação e pertinácia. Hoje, ao estudar sua obra
principal, Memória Histórica de Paracatu, mesmo a despeito dos
erros e equívocos históricos e biográficos (ao se referir a
personagens centrais de seu livro), a falta de discernimento entre o
fato histórico e a ficção, e o uso da lenda, cremos que ela
constitui um roteiro fundamental para que os jovens historiadores
reescrevam a história da cidade, a luz de novos documentos que vão
surgido diuturnamente.
Sem
embargo, mesmo com a qualidade inferior de seus textos, Olympio Gonzaga foi um homem notável no seu campo de
atuação, e seguramente faz parte da galeria de paracatuenses
ilustres.
AFONSO ARINOS NA
INTIMIDADE
Uma
entrevista de Olympio M. Gonzaga com o doutor Afonso Arinos de Melo
Franco, em 16 de Desembro de 1913, na cidade de Paracatu, Estado de
Minas Geraes.
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Crônica
para as Lendas do Brasil Central, escrita por Olympio Gonzaga,
Historiador, Coletor Federal Aposentado.
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Ninguém
amou tanto sua terra natal, como o Dr. Afonso Arinos de Melo Franco,
expoente máximo da geração extinta foi ele. Era um homem forte,
vigoroso, com estatura acima da vulgar, de inteligência robusta,
invulgar.
O
seu sorriso era franco, alegre, expressivo, quando o vi satisfeito
assistindo uma dansa de sala, com sapateados acompanhados de palmas,
violas e caixas, por caboclos escolhidos, bons dançadores, na
varanda da casa do meu compadre Jesuíno de Siqueira Torres Zuzú,
seu primo.
O
notável escritor, ficou de cócoras, agaixado, de lápis em punho,
tomando notas dos dançadores em seus recortados e catiras,
sapateados, trocando os pés, cantando e dançando – “A dona
Josefina pinta o sete no tundá, quando ela sahiu em terra fez o povo
adimirá, fez o povo adimirá, também fez o sol pará, foi a dona
Josefina que sahiu pra paseá. Sahiu pra paseá toda a terra se
tremeu, estas cinco légoas em roda todos os sinos se bateu. Este
entusiasmo dela não foi feito prela só, si de saia ela é bonita,
muito mais de paletó etc.”
Foi
no dia 16 de Desembro de 1913, à noite da dita festa, que foi
improvisada para divertir o notável escritor patrício.
Estava
ali presente um paracatuense genuíno, alegre, satisfeito, espancivo,
no seu elemento de apreciador dos costumes sertanejos, antigos, de
seu tempo de criança.
Afonso
Arinos distribuiu sédulas de cincoenta mil réis para Martiniano
Alves e seus sete companheiros. Depois, o Dr. Afonso Arinos,
dirigindo-se a mim, assim falou – Olympio, quantas saudades eu
senti e curti até rever a minha terra.
Eu
te agradeço de coração por teres enfeitado as ruas com arcos de
flores na minha chegada aqui no dia 13, como seu eu fosse um Bispo ou
Ouvidor. Então, Dona Eleotéria, Pascoal, Felipinho, Chico Veludo e
outros já faleceram? Que pena. Foram eles os tipos escolhidos para
minhas obras. Ainda existem algumas beatas de caponas, da Irmandade
de São Francisco? O Albano? O Bernardo Soares? O Chico Doido? O
Bigi? O Sancho arremedando tocar sinos pelas ruas? Eu trouxe alguns
fardos de fazendas para distribuir com os pobres. Senti a morte do
Caldeira Brant, que foi meu professor primário.
A
leitura de seu livro Memória Histórica de Paracatu causou-me me
excelente impressão, reconhecendo ali sua competência. É um
trabalho de valor. Havemos de fazer outra edição com meu concurso.
Trarei dos Archivos de São Paulo e de Belo Horizonte muitas notas
interessantes para este fim.
O
Dr. Afonso Arinos hospedou-se no sobrado do Tabelião Antonino de
Sousa Gonçalves, casado com dona Isolina, filha de seu tio Teófilo
Martins Ferreira à rua de Goiaz na cidade de Paracatu. Foi ahi que
tomei relações de intimidade e amizade com meu ilustre patrício,
que era desprovido de vaidades, um tratamento jovial para todos; que
o procurei para uma entrevista sobre sua pessoa, tendo o Dr. Afonso
Arinos, satisfeito plenamente, todas as minhas perguntas desta
importante entrevista, que segue:
1ª
pergunta: é verdade que Vossa Exa. nasceu, à rua da Praça (hoje
Ministro Melo Franco) na casa de seus avós maternos Cel. João
Chrisóstomo Pinto da Fonseca e D. Franklina Laura Pimentel Barbosa?
Sim. Em 1º de maio de 1867, sendo meus pais o Dr. Virgílio Martins
Ferreira e D. Leopoldina, digo, Ana Leopoldina.
-
Quaes foram os professores de V. Exa.? Nesta cidade foram Manoel
Caldeira Brant, José Rodrigues Barbosa, Eduardo Pimentel Barbosa e
no colégio do Pe. Dr. Desgenetes e Joaquim Floriano (funcionou nos
anos de 1877 a 1880);
-
Em que ano partiu de Paracatu para estudar fora? Em 1880;
-
Quaes os estabelecimentos de ensino cursados por Vossa Exa. e em que
ano se formou? Colégio da Conceição, dirigido pelo Conego José da
Costa Machado, em São João Del-Rei, colégio Reis, no Rio Comprido
e na faculdade de Direito de São Paulo, onde me formei em 31 de
Outubro de 1889, aos 21 anos de idade, tendo sido matriculado no ano
de 1885;
-
Pode citar os nomes de colegas que alcançaram carreira distinta?
Carlos
Peixoto, João Luiz Alves, Dr. Wenceslau Braz, \Delfim Moreira,
Mendes Pimentel (colega de ano), Edmundo Lins, Edmundo Veiga,
secretário do Supremo Tribunal Federal;
-
Em que jornais e revistas tem colaborado? Jornal do Comercio de São Paulo (como diretor), Kosmos, Comercio do Rio e muitos outros;
-
Quaes são seus livros e as datas de publicação?
Em
1896 publiquei Pelo Sertão com o título de Sertão, na casa Laemert
– Rio; Notas do Dia, em São Paulo; Jagunços, O Contratador de
Diamantes, terminado em 1904; O mestre de Campo (romance mineiro
sobre o século 18); O ouro, romance; muitos contos; O Tropeiro;
-
Quando entrou para a Academia de Letras? Em setembro de 1901, tendo o
Dr. Olavo Bilac feito o discurso de recepção, para eu ocupar a
cadeira de Eduardo Prado;
-
Quaes são as sociedades literárias de que faz parte? Instituto
Histórico de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas;
-
Aonde reside? Atualmente em Paris, 99 rua de Petit champensen, meu
escritório;
-
Exerce algum emprego remunerado atualmente? Nenhum;
-
Quando se casou? Casei-me em 22 de Outubro de 1889 com Dona Antonieta
da Silva Prado, filha do Concelheiro Antonio Prado e de D. Maria Catarina da Costa Pinto, esta filha do Concelheiro Antonio da Costa Pinto e Silva, Ministro do
Império;
-
Em que paizes tem viajado? Quase toda a Europa, tendo visitado as ruínas de Pompeia, de Roma e outros logares célebres;
-
Quaes as línguas que lhe são familiares? A portugueza, ingleza,
hespanhola, italiana, francês, alemã, o latim, dialecto indígena e
outras;
-
Qual é a sua impressão ao visitar sua terra natal? Tenho a
impressão de tristezas, faltando aqui administradores competentes e
patriotas, para melhorar as condições ceculares desta cidade.
O
Dr. Afonso Arinos, meu eminente patrício, tornou-se meu amigo intimo,
trocando comigo opiniões, discutindo pontos de historia, impressões
de viagens, obras literárias, costumes sertanejos, a fasenda de seu
tio Juca Martins Ferreira, aonde foi abraçá-lo. No ano de 1915
Afonso Arinos voltou à Paracatu pela ultima vez.
O
FALECIMENTO DE AFONSO ARINOS EM BARCELONA HESPANHA EM 19 de fevereiro
de 1916
Foi
para mim uma surpresa, quando li nos jornais a morte de Afonso
Arinos, tendo eu recebido diretamente de Barcelona na Hespanha, uma
certidão de óbito, enviada pelo irmão do morto, Dr. Armínio de
Mello Franco, meu amigo pessoal cuja certidão segue do theor
seguinte:
Copia
– Aos vinte dias do mez de fevereiro do ano de mil novecentos e
dezesseis, neste consulado geral dos Estados Unidos do Brasil em
Barcelona, compareceu o Dr. Armínio de Melo Franco, Primeiro
Secretario da Legação do Brasil na Holanda, e exibindo atestado do
Doutor Salvador Cardenal declarou: que hontem desenove deste mez, as
oito horas da manhã nesta cidade à “Pasaje Mercader” numero
treze, faleceu seu irmão o Doutor Afonso Arinos de Melo Franco, de
quarenta e seis anos de edade, advogado, filho legítimo do Doutor
Virgílio Martins de Melo Franco, advogado e de Dona Ana Leopoldina
de Melo Franco, sem profissão, também natural de Paracatu e
residentes em Belo Horizonte estado de Minas Geraes; que faleceu sem
testamento e não deixou filhos, qua a causa da morte foi
cholecystite perfurante com cholangite. Declarou ainda que o cadaver
foi embalsamado e se acha depositado no cemitério do sudoeste para
ser conduzido à capital do Estado de São Paulo, onde será
sepultado. E para constar fiz lavrar este termo, que assino com o
declarante e Selo das Armas deste Consulado Geral dos Estados Unidos
do Brasil em Barcelona. Em tempo, ressalva as emendas, que dizem Dona
Ana – Perfurante- com. Era ut supra. L. Borges da Fonseca, Cônsul
geral - Armínio de Melo Franco - Selo das Armas deste consulado
geral. Está conforme o original. Consulado Geral do Brasil em
Barcelona, 20 de fevereiro de 1916. L. Borges da Fonseca, Cônsul
Geral.
REPERCUSSÃO
DA MORTE DE AFONSO ARINOS EM PARACATU
A
notícia da morte do eminente patrício repercutiu dolorosamente em
Paracatu, aonde o povo poz luto fechado por treis dias. O Presidente
da Câmara Municipal sr. Samuel Rocha mandou construir riquíssima
Eça por conta da Câmara para ser armada na Matriz para a missa do
dia 19 de Março de 1916, nas exequias, que foram celebradas pelo
ilustre vigário Pe. João Marques de Oliveira Joca, que fez o povo
chorar com sua belíssima oração, ao toque de finados de todos os
sinos da cidade. Estavam presentes as duas corporações musicaes,
todos os elementos oficiaes, trajados de preto, Grupo Escolar,
escolas Particulares e grande massa de povo.
À
noite teve logar a Sessão Cívica no Grupo Escolar, tendo eu me
associado aos numerosos oradores, terminando a minha oração com a
leitura da biografia do Dr. Afonso Arinos na MEMÓRIA HISTÓRICA DE
PARACATU: - Perdemos umas das maiores mentalidades que tem dado
Paracatu. A minha débil pena de cronista sente-se fraca e tenho
certa emoção inexplicável ao registrar aqui o nome do erudito
escritor, de estilo empolgante e athraente, que goza de merecida fama
nas letras pátrias, pelos importantes trabalhos que tem produzido.
Afonso
Arinos nasceu em Paracatu, em primeiro de Maio de 1868, tendo por
paes o Dr. Virgilio Martins de Melo Franco e Dona Ana Leopoldina. Deu
começo aos estudos na sua terra com o professor Manoel Caldeira
Brant, indo depois cursar vários colégios e a Academia de Direito de
São Paulo, onde se diplomou em 31 de Outubro de 1889 com 21 anos,
apoz um brilhante curso, em que obteve as melhores notas, respeitado e
querido dos seus colegas e professores.
Regressando
a Minas, iniciou a vida como advogado, sendo pouco depois, nomeado
por concurso, lente de Historia do Liceu e Externato do Gynasio
Mineiro; lente catedrático de Direito Penal da Faculdade de Direito
de Minas. No Estado de São Paulo foi redator-chefe do “Comercio de
São Paulo”, produzindo belos artigos muito apreciados. Cazou-se
com Dona Antonieta da Silva Prado, em 22 de Outubro de 1889. É autor
de livros trabalhos literários, bem como: - Pelo Sertão, em que se
destaca O Burity Perdido, que os paracatuenses sabem de cor; Notas do
Dia, Rei Jagunço, O Contratador de Diamantes (que foi convertido em
drama para ser levado a sem em São Paulo), Mestre de Campos, Ouro, O
tropeiro, etc. Etc. Viajou na Itália, escreveu apreciados artigos
sobre as ruínas de Pompeia, de Roma etc.
Foi
ocupar a cadeira de Antonio Prado na Academia de Letras em Setembro
de 1901, sendo orador o Dr. Olavo Bilac. Sua Exa. É sócio dos
Institutos Histórico e Geográfico de São Paulo, Rio e Minas. É
versado em várias línguas europeias e no dialecto indígena.
Paracatu,
15 de Novembro de 1947.
Fonte:
Biblioteca Nacional do Brasil, divisão de manuscritos – Afonso
Arinos na intimidade, Olympio Gonzaga.
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