Por José Aluísio Botelho
Aproveitando o ensejo por ocasião do aniversário de Paracatu neste mês de outubro, estabelecido oficialmente a partir da data de sua elevação à vila em 1799, através de Alvará de Rainha Dona Maria I, de Portugal, veremos como era a vila nas primeiras décadas do século dezenove, sob o olhar arguto de um observador estrangeiro daquele tempo.
Aproveitando o ensejo por ocasião do aniversário de Paracatu neste mês de outubro, estabelecido oficialmente a partir da data de sua elevação à vila em 1799, através de Alvará de Rainha Dona Maria I, de Portugal, veremos como era a vila nas primeiras décadas do século dezenove, sob o olhar arguto de um observador estrangeiro daquele tempo.
Auguste de Saint – Hilaire (1799 – 1853) notável naturalista e botânico francês que viajou pelo Brasil entre 1816 e 1822, reuniu durante suas viagens um riquíssimo acervo de dados referentes à História Natural, realizando inúmeras pesquisas de interesse para a Geografia, a História e a Etnografia. Esteve na Vila de Paracatu do Príncipe em maio de 1819, onde permaneceu por cerca de duas semanas. Observador arguto que era não deixou de fazer suas anotações sobre a vila e que transcrevemos alguns trechos ilustrativos sobre suas peculiaridades à época de sua estada no lugar.
Diz ele “A cidade de Paracatu ocupa apenas uma parte mínima do planalto sobre o qual foi construída, e se ergue logo acima do Córrego Pobre. Sua forma é alongada e suas ruas principais seguem o declive quase imperceptível do morro. Plantada a céu aberto, num descampado, e na extremidade de terras planas, cercadas por pequenos morros, Paracatu não podia deixar de ter um aspecto alegre e aprazível e faz com que o lugar tenha um redobrado encanto para os olhos do viajante”. Continua ele com sua descrição da vila: “As ruas principais de Paracatu são largas e de traçado bastante regular, e as casas na sua maioria são térreas. Geralmente são baixas, pequenas, feitas de adobe, mas caiadas e cobertas de telhas. Possuem quintais numerosos, e o grupo de árvores que os compõe produz um efeito muito agradável quando se contempla a cidade do alto de um dos morros vizinhos”.
Segue ele, “Existe em Paracatu apenas uma praça pública, de traçado mais ou menos triangular, nela desembocando a Rua Direita, uma das principais da cidade. (1) É no final dessa praça que foi erguida a Igreja de Sant’ Ana, a mais antiga de Paracatu. Além dessa, que já está em ruínas, há quatro outras, todas feitas de barro. A Igreja paroquial, dedicada a Santo Antônio, é ornamentada com bom gosto. Depois desta, a do Rosário, que foi construída à custa do trabalho escravo, é a maior e a mais bem ornamentada. Dois chafarizes fornecem água aos habitantes, mas nenhum deles tem ornamento. A casa da câmara é um sobrado quadrangular, cujo andar térreo serve de prisão, segundo o costume na província”.
Segundo ele “Vê-se em Paracatu um número considerável de botequins”. Dessa afirmação deduz-se que já naquela época o consumo de aguardente era abundante na vila, o que vem justificar a notoriedade que adquiriram as “pingas” de Paracatu ao longo do tempo e até os dias atuais, e para citar apenas as mais famosas, a Creolinha e a Segura o Tombo, bem como a pinga de Seu Joca, hoje largamente consumida.
Aliás, após essa pequena digressão, o consumo de cachaça pode ser explicado, segundo Saint-Hilaire, pela “indolência, a ociosidade pela falta de trabalho, e que favorecia o roubo, falta de que mais são acusados os negros de Paracatu e o clima modorrento” da pequena vila, e que seriam ingredientes para o alto consumo de bebidas alcoólicas no lugar. É bom salientar que naquela época, havia uma grande predominância de negros e mulatos cativos e livres, em relação à população branca, principalmente na zona urbana, sendo que as famílias mais abastadas viviam em suas fazendas e só compareciam na vila aos domingos e em ocasiões de festividades religiosas.
Discorre ele ainda acerca do esgotamento das minas e a consequente decadência e pobreza da vila, de suas terras férteis pouco exploradas, bem como os desmatamentos desenfreados em busca do ouro , da produção agrícola de subsistência e a formação de pastagens para criação de gado, e seus efeitos deletérios como a escassez de água já naquele tempo. Por fim, segundo Saint-Hilaire, o seu anfitrião Alexandre Avelino Pereira de Castro, tronco de algumas famílias de Paracatu, não deixou de tecer loas à vila, que para ele “não existia no mundo inteiro lugar que se igualasse a Paracatu”.
Esta era de forma resumida a Paracatu no início do século dezenove, sob a visão de um viajante francês, que com suas pesquisas de campo deixou notável contribuição para as ciências naturais.
Fonte: Viagem às Nascentes do Rio São Francisco, Auguste de Saint – Hilaire, Editora Itatiaia, 1975.
Brasília, outubro de 2007.
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