Por
José Aluísio Botelho
O
Índio Afonso foi uma legenda sertaneja que chefiou um grupo de
bandoleiros que infestaram a região do rio Paranaíba, divisa de
Minas e Goiás, na segunda metade do século dezenove, nascido José*
Afonso, provavelmente em Patrocínio, Minas Gerais*.
*Em
uma notícia de jornal ele declina seu nome.
*Especulação:
no censo nominativo de 1832, no fogo 207 aparecem várias pessoas com
o nome Afonso, cuja cor da pele era referida como parda, dentre eles,
um José Afonso com 9 anos de idade, todos lavradores.
(É
sabido que o índio Afonso iniciou sua carreira de crimes na vasta
região compreendida entre Patrocínio, Araguari, Estrela do Sul,
Monte Carmelo, Abadia dos Dourados e Coromandel do lado mineiro e Catalão no lado goiano. Pode ser ele, sim, falta comprovação).
Alcunhado de índio, na realidade ele era homem pardo que podia ser
caracterizado como fruto da miscigenação, tal como um caboclo ou
cafuzo e/ou até mameluco. De acordo com o tipo físico e a cor da
pele dos filhos, ele seria fruto do cruzamento de negro com índio.
Não
se sabe a motivação nem quando o índio Afonso iniciou-se na
prática de crimes. A primeira referência da presença dele na
região se dá em 1862 em uma notícia de jornal: parece que ele já
tinha se iniciado as correrias pela região já com bando reunido.
Posteriormente, o escritor Bernardo Guimarães, que exerceu a função
de Juiz de Direito em Catalão, Goiás, relata tê-lo conhecido, e dá
notícia dele nas matas do Paranaíba um pouco antes, 1861. Foi a
partir das notícias que o notável escritor teve do personagem real,
que o levou a escrever a novela – O Índio Afonso-, em 1872, com
enorme aceitação à época, tanto pela crítica, como pelos
leitores. No livro, ele cria seu personagem mesclando o homem real e
o imaginário, um índio de estatura avantajada, esguio, que tinha um
místico acordo com a natureza, notadamente com o rio Paranaíba, que
ele conhecia como ninguém: era o clássico romantismo, fase
indianista.
As
notícias sobre as estripulias do bando chefiado por ele, são
esparsas ao longo das décadas de setenta e oitenta do dezenove, até
porque, existem poucos jornais editados naquele tempo e
de publicação continuada que se preservaram até os tempos atuais.
Ao
longo dos anos eles saqueavam fazendas, arraiais, vilas e até as
cidades mais populosas para a subsistência do bando e suas famílias,
bem como cometiam assassinatos a apaga pelos fazendeiros e
latifundiários que lhes davam proteção, com o objetivo de eliminar
os seus desafetos políticos e proteger e promover a expansão de
seus negócios agrários. Dentre suas vítimas, matavam gente simples
do povo, assim como homens de importância em suas comunidades,
desafiando as autoridades policiais, fugindo sempre sob a proteção
das matas do Paranaíba, fronteira entre as províncias de Minas e
Goiás: ora estavam de um lado, ora de outro, sempre protegidos por
um poderoso coronel fazendeiro. Muitas das vezes, mesmo com
contingente policial precário, as forças legais conseguiam prender
algum membro do bando, mas sempre conseguiam evadir-se, como o
ocorrido em Catalão em 1883: "dois filhos do Índio Afonso foram
presos após desafiar a polícia e assassinar com requintes de
crueldade o cidadão Jerônimo Valadão em frente a delegacia da
cidade. Era delegado à época o coronel José Maria da Silva Ayres,
que com o feito foi jurado de morte pelos facinorosos, após
empreenderem fuga com ajuda de seus protetores".
O
índio Afonso pouco antes de sua morte, em casa de um seu protetor, Domingos Rabelo, de Patrocínio, disse: “Tenho já
110 mortes, e o meu rosário ainda não está completo, porque de
poucos anos a esta parte, dirijo apenas o braço de meus meninos
(seus filhos João e Pedro), levando-os ao lugar do delito e
esperando-os a pouca distância.”(narrativa escrita por um letrado,
claro).
A
busca pela prisão e/ou eliminação sumária do grupo de bandoleiros
era intensa, diuturna, até que em 10 de janeiro de 1887, o juiz
municipal e de órfãos dos termos reunidos de Bagagem e Brejo Alegre
(hoje, Estrela do Sul e Araguari), o paulista Dr. João Correia de
Moraes, informado da presença do bando nas cercanias, elaborou um
plano para tentar prender, e no caso de resistência, eliminá-los.
Nomeou como oficial de justiça ad hoc Francisco Machado, membro da
família Machado, de ascendência indígena, inimiga figadal dos
Afonso, para chefiar a escolta que promoveria o cerco aos celerados.
Francisco Machado fez-se acompanhar de seus parentes os irmãos
Mariano Machado, Feliciano Machado e João Bertolino Machado. O
próprio Juiz assim descreveu a cena do cerco que culminou na morte
do velho Índio Afonso (Gazeta de Uberaba, 06/04/1887): “às nove
horas da manhã, mais ou menos, do dia 10 do corrente mês (texto
escrito em 20/01/1887), no lugar denominado – Correias-, margens do
Rio Bagagem, deste termo, resistindo a escolta que o foi prender,
morreu, em renhida luta, o célebre e legendário assassino Índio
Afonso, na idade de 80 anos, em todo vigor de suas forças. Nos anais
do crime fica o nome deste facínora célebre, que foi por longos
anos o terror de uma vasta região. Já foi o cadáver dado a
sepultura. A
glória de havê-lo morto coube a Mariano Machado e Feliciano
Machado, que faziam parte da escolta, organizada por Francisco
Machado, o oficial de justiça que especialmente nomeei e a quem
entreguei o mandado de prisão, por mim assinado na qualidade de
Juiz. Além daquela morte, houve ainda a de João Bertolino Machado e
vários feridos.”
(Nota
relevante: o Índio Afonso foi sepultado na povoação de Rio das
Pedras, atual cidadezinha de Cascalho Rico, Minas Gerais).
A
morte do Índio causou polêmicas e revoltas contra o juiz, a tal
ponto que ele se viu obrigado a pedir proteção policial junto ao
governo da província: seus desafetos o acusavam de ter assassinado
barbaramente o malfeitor, sem nenhum direito de defesa, de ter sido
uma tocaia simplesmente, e não, uma luta renhida, como o juiz queria
fazer crer; que o índio era, na verdade, um justiceiro, que fazia
justiça com as próprias mãos; que fazia o bem para as pessoas
humildes e que não era um cruel assassino como o descreviam nas
crônicas policiais etc. O Promotor público da Bagagem, Dr. Teodoro
Dias de Carvalho Júnior, natural da Bagagem, e que mais tarde seria
senador por São Paulo, disse sobre o ocorrido: “Fosse ele (o
índio) um criminoso, nem assim deixava de ser um homem punível com
as penas e garantias do código (penal).” Até o respeitado Dr.
Eduardo Augusto Montandon, à época deputado geral representando a
região, não poupou críticas contundentes as atitudes do juiz.
Outros diziam que ele era um tormento para as propriedades alheias,
que matava a paga pelos coronéis que lhe davam proteção e que ele
mesmo dizia que sua espingarda era a carteira que não deixam branco
(vazia).
No
jornal “Novidade” do Rio de Janeiro, edição do dia 06/07/1887,
assim escreveram sobre ele: “Imaginem que aquela região mineira
tinha o seu Fra-Daviolo (nome popular de uma guerrilheira napolitana
chamada Michele Pezza, do século dezoito), o famoso Índio Afonso,
um salteador a valor, um verdadeiro bandido de romance, que fora o
assunto, ou, pelo menos, o título de uma novela de Bernardo
Guimarães, e era o orgulho e ao mesmo tempo o terror de tais
paragens. Pois bem: o Dr. Moraes entendeu que o Índio Afonso era um
mal e organizou contra ele e sua célebre quadrilha, uma expedição
armada. Os soldados travaram com os salteadores sanguinolento
combate. Uma bala perdida e desastrada deu cabo do chefe da
quadrilha, privando a província de Minas Gerais e todo o Império,
de um dos seus melhores e mais ilustres bandidos.”
Fato
é que a morte do chefe do bando não trouxe sossego para a região.
Os filhos juraram vingança e após a morte do pai, assume a
liderança do bando, o filho mais velho, João Pereira Afonso, que
continuou espalhando o terror por toda aquela região limítrofe de
Minas e Goiás. O primeiro a morrer foi Francisco Machado, seguido de
Mariano e Feliciano Machado, assim como de outros membros da dita
família Machado. O índice de assassinatos e saques nas fazendas
aumentava enormemente, assustando as autoridades; foi então
designado o capitão Fortunato José da Costa Lana, um delegado
profissional, implacável com seus inimigos, primeiramente delegado
de Bagagem e posteriormente de Patrocínio; ele promoveu uma
verdadeira caçada sem tréguas aos celerados, mas, os resultados não
eram animadores, pois, eles conheciam a região como ninguém, e
escapavam sempre; se ele conseguia cercar os criminosos, a ordem era
matar sem piedade, inclusive mulheres e crianças, como aconteceu no
cerco ao índio Raimundo em 1891. Quando algum deles era preso,
sempre havia ajuda para a fuga das delegacias pouco aparelhadas de
então. A culminância da criminalidade cometida pelos índios
Afonsos ocorreu no dia 03/10/1889, com a emboscada e assassinato nas
cercanias de Abadia dos Dourados, a mando, do então juiz de direito de
Patrocínio, Dr. Eloy David Benedito Otoni, de importante família da cidade do Serro, situada no norte
de Minas. O bando dos Afonsos, em Patrocínio, eram protegidos do
poderoso chefe político local, o coronel Joaquim Antônio de Sousa
Rabelo e de seus filhos, desafetos do juiz, que permitiam que os
índios e suas famílias morassem e plantassem roças de subsistência
em suas fazendas, principalmente na fazenda de Domingos Rabelo; as
suspeitas dos mandantes do crime logo recaíram na pessoa do coronel
e seus filhos Domingos Rabelo da Fonseca e coronel José Rabelo da
Fonseca, bem como na do padre Elias Luiz da Silva, aliado dos Rabelos
e também desafeto do juiz. Todos foram indiciados e presos, e no
decorrer do inquérito, o coronel José Rabelo da Fonseca cometeu
suicídio, deixando um caderno de anotações dizendo ter mania de
perseguição, e, sentindo-se perseguido pelo juiz, mandou matá-lo –
estava sedimentada a prova de inocência dos outros réus, que foram
inocentados, apesar das provas circunstanciais de suma importância
apontarem como mandatários os índios Afonsos e como mandantes a
família Rabelo e o padre Elias: coronelismo e poder, significando
impunidade!.
De
acordo com o delegado Fortunato José da Costa Lana, em seu relatório
de indiciamento da família Rabelo como mandantes do assassinato do
juiz Otoni, “os índios Afonso eram assassinos de profissão, que
sempre em grupo, praticavam assassinatos e que há muitos anos
são protegidos e moram nas fazendas dos Rabelos.”
Nota:
o coronel Joaquim Antônio de Sousa Rabelo, agente executivo e
deputado provincial por Patrocínio, chefe do Partido Liberal na
região, foi agraciado no apagar das luzes do Império, com o título
de Barão de Patrocínio (o Barão que não foi), talvez na tentativa malograda do imperador
de salvar o regime monárquico, atraindo com benesses seus
adversários; o coronel não aceitou a mercê dizendo ter aderido a
causa republicana, sendo o organizador do partido republicano em
Patrocínio. Também é interessante relatarmos a decadência
econômica desta família: em 1898, tanto os herdeiros de Domingos
Rabelo da Fonseca, quanto os de seu pai, desistiram das heranças sob
a alegação de ser o espólio insolvável*.
*Palavra jurídica que indica ser o patrimônio do falecido inventariado, insuficientes para quitar as dívidas ativas contraídas em vida.
*Palavra jurídica que indica ser o patrimônio do falecido inventariado, insuficientes para quitar as dívidas ativas contraídas em vida.
Voltando:
muitos dos Afonsos foram presos e mortos, inclusive algumas de suas
mulheres como já relatamos, mas não foi o suficiente para extinguir
de vez o grupo. Ainda em Minas, na vila de Bagagem, eles assassinaram
o boiadeiro Alamy Delascar d’Alberico em 1891, de grande
repercussão; em Catalão, o bando continuou saqueando fazendas e
cometendo assassinatos; a polêmica era quem seria seus protetores no
lado goiano: o coronel Antônio Paranhos ou seu adversário político
Carlos Andrade.
Os
índios Afonsos tinham um objetivo maior em Catalão: acertar as
contas com seus desafetos de longa data, o coronel José Maria da
Silva Ayres e seu irmão João Ayres, cuja fazenda Olhos D’Água,
volta e meia era invadida e saqueada por eles; em 1891, os Afonsos e
bando cercaram a casa do coronel para matá-lo sem sucesso; em
seguida, invadiram a fazenda supracitada, também em vão, pois o
fazendeiro, escapou com família para a cidade. Aliás, foi nesta
dita fazenda que João Pereira Afonso foi morto por um seu sobrinho
em 1894, cuja motivação não se soube. Não se sabe quando a
quadrilha foi extinta, até porque, em 1897, os jornais ainda
noticiava suas estripulias.
Nos
anais da Câmara dos deputados de 1809, está escrito: “Da família
– Índios Afonsos, que por muito tempo foi o terror das margens do
Paranaíba, já nenhum homem mesmo resta, sendo de notar que todos
eles foram mortos pelas escoltas que iam em perseguição dos mesmos.
Jamais se entregaram à prisão, preferindo morrer lutando”.
O
último deles, foi morto perto da Capelinha (não sei onde ficava,
Anicuns?), após assassinar um preposto do coronel Ramos Caiado, de
nome Camilo Afonso.
O
TIPO FÍSICO DOS AFONSOS
O
Dr. Tito Fulgêncio Alves Pereira, célebre jurisconsulto mineiro, à
época (1893) um simples juiz de direito de Carmo da Bagagem, atual
Monte Carmelo, em correição pelas regiões limítrofes, a serviço,
colheu informações sobre os Afonsos, segundo ele mais ou menos
exatas de pessoas que os conhecem de “visu”: " a quadrilha
compõe-se atualmente de cinco componentes e característicos são.
Moram no mato, dormem no mato e dentro de grotas profundas, em forma
de subterrâneos que tem saídas as vezes invisíveis, por onde se
escapam quando são atacados. São dados ao vício da embriaguez e só
bebem aguardente de tonéis em que o povo bebe, para não serem
envenenados"; descreveu o tipo físico dos irmãos Afonso, então
moradores na mata das Carrancas, região de Guarda-Mor, termo de
Paracatu, e que incluiu em seu relatório enviado as autoridades da
justiça na capital mineira:
1
João Afonso: de todos o mais feroz, estatura regular, bem cheio de
corpo, peitos largos, cor de caboclo, cabelo crespo, nariz chato, pés
grandes, em falta de um dente na frente; tem pelo corpo sinais
visíveis de chumbo, 35 anos, casado, tem filhos e netos (sic); anda
armado de garruchas, faca e uma carabina de 12 tiros;
2
Pedro Afonso: estatura baixa, grosso, caboclo, cabelos crespos, bons
dentes, imberbe, pés grandes, 23 anos, casado, vestígios de chumbo
pelo corpo;
3
Manoel “Paca” Afonso, mesma cor e sinais característicos do
João, magro, 25 anos.
A
FAMÍLIA
Sabe-se
que o índio Afonso viveu em concubinato com Maria Mendes, e com ele
teve inúmeros filhos, machos e fêmeas, dos quais descobrimos os
nomes de alguns deles:
1
João Pereira Afonso, nascido por volta de 1858; morto por um
sobrinho em 1894 na fazenda “Olhos D’Água” em Catalão, de
propriedade de João Aires da Silva, seu desafeto;
2
Pedro Afonso, 23 anos;
3
Joaquim Pereira Afonso;
4
Raimundo Afonso, morto em 1891 por José Cândido de Freitas; com
geração;
5
Rufino Afonso, morto em 1890; viveu com Maria Francisca, com geração;
6
Manoel Afonso, conhecido pela alcunha de Manoel Paca, 25 anos;
7
Francisco Vicente (seria sobrinho do João?);
8
João Cassimiro (seria sobrinho do João?).
Fontes:
1
Índio Afonso, novela de Bernardo Guimarães, 1872;
2
Hemeroteca da Biblioteca Nacional do Brasil – jornais da época,
diversos.
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