Por José Aluísio Botelho
CONTEXTO HISTÓRICO
O testamento de Antônio Felizardo de Oliveira, redigido em 7 de dezembro de 1848, de próprio punho, não foge à regra dos documentos testamentários daquele tempo. Nele, o testador declara sua fé católica, cuidando da salvação da alma ao determinar a quantidade de missas a serem celebradas por sua alma, pelos pais e outros, além de orientar o ritual de seu enterro. Declara também sua naturalidade e nacionalidade, seus “parcos” bens e, como não teve herdeiros legítimos, reconhece suas duas filhas naturais, instituindo-as como suas herdeiras universais. Além disso, concede liberdade a seu único e fiel escravo, legando-lhe bens de trabalho e roupas.
Antônio Felizardo de Oliveira não era filho de Paracatu, mas sim natural de Piranga/Guarapiranga, região de Ouro Preto/Mariana. Estabeleceu residência na então Vila de Paracatu do Príncipe em maio de 1800, onde viveu por longos cinquenta e dois anos, até seu falecimento em 1852.
O aspecto inusitado deste testamento ocorre quando ele revela seu verdadeiro nome de batismo, João Elói de Almeida, e justifica a adoção do nome falso, Antônio Felizardo de Oliveira. Parece que ele nunca revelou a ninguém sua história, que só veio a ser conhecida através do documento testamentário, exceto, provavelmente, por suas filhas e companheira.
Indagações: Qual teria sido o crime por ele cometido que o levou a falsear sua verdadeira identidade e fugir de sua cidade? Talvez nunca se saiba.
O fato de ele ter usado de falsa identidade em documentos oficiais, não levaria a sua prisão e a nulidade de dezenas de processos?
Seria o deputado Emílio Jardim de Resende Costa, filho de Virgínia Deodata de Oliveira Jardim, descendente de uma das filhas do testador, que levavam o sobrenome Oliveira Jardim, assim como sua mãe carregava?
TESTAMENTO (transcrição na grafia atual)
Escrito de próprio punho em 7 de dezembro de 1848 e aberto em 13 de agosto de 1852.
“Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, em quem eu, Antônio Felizardo de Oliveira, ou, verdadeiramente, João Elói de Almeida – a cuja dissimulação me obrigou o susto da perseguição que se me poderia fazer por cometimentos em que muito frequentemente se tem visto naufragar e perder-se a indiscreta e fogosa mocidade –, firmemente creio e em cuja fé protesto viver e morrer como bom e fiel católico. Achando-me em meu perfeito juízo, senhor de mim e de todas as minhas potências e faculdades mentais, com perfeito conhecimento do que faço, vou proceder a este meu testamento e última vontade, a fim de dispor dos meus limitadíssimos bens na forma da Constituição e mais leis do Império, para depois de minha morte.
Declaro que sou cidadão brasileiro, honra que muito prezo, natural do arraial de Guarapiranga, hoje vila de Guarapiranga, comarca da Imperial cidade de Ouro Preto ou da de Mariana, ou daquela que verdadeiramente deva ou haja de ser da Província de Minas Gerais, filho legítimo e único de Joaquim Elói de Almeida e de sua mulher Teresa Francisca de Sousa, ambos já falecidos. Falecendo eu nesta cidade de Paracatu, onde sou residente desde maio de mil oitocentos, desejo ser sepultado da maneira seguinte: o meu cadáver será envolto em hábito preto de lã. E, se for o caso de não se achar nas lojas do país, será então o hábito daquela fazenda preta que mais prontamente se puder encontrar, não sendo, todavia, de seda, e isto quando a (…) que eu, em minha vida, ainda não o tinha providenciado, como tenciono. Será conduzido em caixão decente, coberto e tampado, acompanhado do Reverendo Pároco e de todos os mais sacerdotes residentes nesta cidade, e ainda mesmo algum ou alguns de fora que suceder achar-se nela nessa ocasião e quiserem aceitar o convite; acompanhado também da Irmandade do Santíssimo Sacramento e mais duas outras das que mais prontamente se conciliarem; acompanhado, torno a dizer, para a Capela da Senhora da Abadia desta mesma cidade, onde desejo ser sepultado, com cujo Procurador, Inspetor ou Zelador contratará meu testamenteiro o arrendamento dessa sepultura para o tempo de um ano, que regularmente é necessário para a consumação dos despojos de qualquer cadáver, e assim o Reverendo Pároco, com todos os mais clérigos que me acompanharem, me dirão missa de corpo presente.
Declaro que, por minha alma, além das missas acima, se digam mais dez; outras dez pela alma de meu pai; outras dez pela alma de minha mãe; e outras dez pela alma da falecida minha mulher, Inácia Umbelina da Mota, ditas pelos sacerdotes que, por uma esmola mais cômoda, se dignarem dizê-las. Declaro que é minha vontade que meu testamenteiro faça distribuir por cem pobres dos mais necessitados, a saber, enfermos, decrépitos, reconhecidamente inválidos, a quantia de trinta e dois mil réis, vindo a tocar a cada um a esmola de trezentos e vinte réis. Declaro não ter dívida alguma.
Declaro que meu único escravo, de nome Plácido, fica forro e liberto pelo que me tem servido, pela fidelidade, obediência, amor e boa vontade com que me tem prestado os seus serviços.
Declaro que, nos tempos cruéis e calamitosos de minha vida, exerci os ofícios de seleiro e carpinteiro. Deixo para meu ex-escravo Plácido todas as ferramentas de meus ofícios. Os bens que possuo são duas moradas de casas, sendo a de minha residência na rua Goiás, com fundos para o Campo e Tanque do Nerva; possuo uma chácara na rua São Domingos, com fundos para o córrego da Hilária.”
O testamento está incompleto, faltando folhas.
Informações relevantes retiradas do inventário: O testador declarou em uma das verbas do testamento que “no estado de viúvo, teve duas filhas, a saber, Aldonça de Oliveira Jardim e Dária de Oliveira Jardim, havidas de uma mulher solteira de nome Luísa da Silva Borges, e as instituiu suas universais herdeiras em iguais partes.”
Foi casado com Inácia Umbelina da Mota, falecida em 1818, sem filhos.
Faleceu Antônio Felizardo de Oliveira, ou João Elói de Almeida, em 13 de agosto de 1852.
Fontes:
(Inventário: Caixa I – 03 A/Volume 02)
A Raposa da Chapada: Pequenos Troncos Pioneiros - Xavier da Cunha/Mota Pinto.
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