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RECIDIVA DE NATAL - TEXTOS INÉDITOS: O "JOGO DA BOLA" NA PARACATU DO SÉCULO XIX

Por José Aluísio Botelho

O jogo da bola, de origem na Península Ibérica, apareceu no Rio de Janeiro no século dezoito e tornou-se diversão muito popular, praticada pelas classes baixas da população, competindo com as rinhas de galo e jogos de cartas, bem como com a ópera, frequentada pelas elites: “A prática era a única que competia com a ópera, com a diferença de que eram os jogos de bola frequentados pela arraia miúda”.

Mantinha uma certa semelhança com o Boliche: uma pelota de madeira era atirada, por uma pista de terra ou tábua, para derrubar pinos que tinham diferentes pontuações, com o máximo de vinte pontos (deu no vinte, sinônimo de vitória indiscutível). Tal prática se tornou tão popular no Rio de Janeiro a partir de meados do século dezoito, que um dos logradouros no Morro da Conceição, era denominado ‘Rua do Jogo da Bola’.

Segundo alguns autores, não era fácil encontrar registros sobre o jogo da bola, encontrados esparsamente em escrituras, inventários e testamentos, etc., advindo daí as dificuldades de discorrer sobre o tema. Na verdade, a presença dessas modalidades de entretenimento, mostra a presença social da diversão na população ao longo do tempo.

Até na literatura, referências ao jogo da bola são citadas, com os autores usando a expressão “deu no vinte” em trechos de diálogos de suas obras.

Outrossim, havia a preocupação das autoridades com a modalidade, considerada ‘jogo de azar’, até porque era um jogo de apostas, bem como a presença de botequins e tabernas nos arredores, o que propiciava a geração de tumultos constantes.

Em outras cidades brasileiras também houve ruas com o mesmo nome, principalmente nas cidades maiores, como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, e nos arraiais, vilas e cidades menores, por ex., em Diamantina, em Minas Gerais, ainda hoje existe uma rua que leva o nome do jogo da bola.

Em Paracatu, nosso objeto, no início do século dezenove, encontramos referência a prática do esporte, em uma descrição de patrimônio do piauiense Manoel Luiz Mendes em seu inventário de 1818: “e huns chaons (lotes) na Rua do Sacramento, da parte do poente, místicas (contíguas, ao lado) com as casas do ‘Jogo da Bola’.

Por mais que pesquisássemos, não logramos êxito na identificação de citações ao jogo em outros documentos estudados. Cremos que o jogo da bola, devido ao seu fascínio, floresceu na cidade, mas não podemos afirmar que o jogo disseminou por toda a vila. Todavia, deve ter sido uma importante diversão naquele tempo e parece que competia com a Casa da Ópera, também existente na vila e frequentada pela elite, senão vejamos: o jogo da bola funcionava na rua do Sacramento, habitada e frequentada à época pela camada mais baixa da população, enquanto a Casa da Ópera na Rua do Ávila, onde se encontrava os comerciantes abastados, e eram moradoras as famílias ricas, espalhadas pelas ruas circunvizinhas, tais como a rua das Flores, Goiás e São Domingos, etc. No inventário do português Sargento-mor Antônio da Costa Carlos, datado de 1830, há referência da citada casa: "Hum casco de casas de sobrado, sem repartimento algum, que serve de Casa de Ópera, sitas na Rua do Ávila, confrontando-se da parte do nascente com casas de Maria Francisca Borges Tavares, e de parte do poente com o beco que divide das de Maximiano da Costa Braga, um tanto arruinadas".

 Fontes:

 1 Inventário de Manoel Luiz Mendes - 28/11/1818/Cx. 1818/Volume 017/Familysearch.org. 

2 American Psychological Association Melo, V.A de. (2016). MUDANÇAS NOS PADRÕES DE SOCIABILIDADE E DIVERSÃO: O jogo da bola no Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). História (São Paulo, 35, e105. Acesse o link abaixo para saber mais:

https://doi.org/10.1590/1980-436920160000000105


Curtas/curiosidades

Varíola/Epidemia

Justificativa processual:

“Entre os anos de 1810/1811, labora uma epidemia de Bexigas na Vila e seus contornos, de maneira que tem morrido muitos de seus habitantes. Está o implicante legitimamente impedido por temor da morte de cumprir a notificação”.

Caçador de Negros

“Era Capitão do Mato em Paracatu no alvorecer do século dezenove, um certo Valentim Gouveia. Negro que caçava implacavelmente seus irmãos de raça, a soldo de seus senhores escravocratas”.

Largo do Doutor

Onde estaria situado este largo? Existiu mesmo ou era expressão popular? Seria o Largo da Jaqueira?

"Uma morada de casas, em que mora o inventariante nesta vila no Largo do Doutor, que partem de um lado com as casas do Padre Mestre João Gaspar Esteves Rodrigues e de outro com a Rua de São Domingos. Referência: ano de 1825. 

Casa de Ópera

Na primeira metade do século XIX, uma das diversões cultural das famílias instruídas da Vila de Paracatu do Príncipe, era os concertos operísticos que eram oferecidos em local próprio, na Rua do Ávila: "Hum casco de casas de sobrado, sem repartimento algum, que serve de Casa de Ópera, sitas na Rua do Ávila, confrontando da parte do nascente com casas de Maria Francisca Tavares, e da parte do poente com o beco que divide das de Maximiano da Costa Braga, algo um tanto arruinadas (1830).

Brasília, dezembro 2024.


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