Por
José Aluísio Botelho
Resgatamos,
após minuciosas pesquisas, alguns escritos de Olympio Gonzaga que se
encontravam desaparecidos, dentre eles, três crônicas que escreveu
para seu livro não editado, Lendas do Brasil Central, transcritas na
grafia original, tal como ele as concebeu, sem correções
ortográficas e gramaticais, para que nossos leitores avaliem a
qualidade dos textos e sua importância para a história de Paracatu.
(Transcrição)
A
CHÁCARA DO VIGÁRIO TORRES EM 1885
Reminiscencias
dos tempos de criança.
Eu vi a grande roda de
socar ouro trabalhando; eu vi a forma de fundição do grande sino da
Igreja do Rosario, que pesa mais de quarenta arrobas e de outros
sinos, quando eu tinha oito anos de edade. Eu vi a grande
prosperidade de culturas das lavouras e pomares da Chacara do
Vigario, com aquele rego de agua, parecendo um ribeirão, vindo do
Espalha.
Cronica
escrita por Olympio Gonzaga.
Paracatu, 21 de Setembro
de 1947.
Quanto
é belo, agradavel e sedutor, as recordações, as saudades dos
tempos da infancia.
Aquela
quadra risonha, alegre, dos folguedos, das correrias pelos prados
atraz das borboletas azues, ficaram gravadas na memoria para sempre.
Os
banhos, os brinquedos nas aguas transparentes do Corrego Rico com
garotos travessos, alegres, não se esquece nunca.
Foi
ali, neste ambiente jocundo, de satisfação, que os meninos desta
cidade aprenderam a nadar no Corrego Rico.
As
espaçosas e lindas prais do Corrego Rico são admiradas por todos os
visitantes, com aquele quadro maravilhoso, das inumeras lavadeiras de
roupa a se perder de vista. E aquela fila imença de mineiros tirando
ouro com bateias, caixotes e bicas, é outro quadro encantador,
maravilhoso.
Imperava
em Paracatu de outrora a prosperidade, a riquesa do esforço próprio
de numerosas lavouras nas chacaras e fasendas, para exportar
tessidos, ouro, arreios, aguardente em odre de 25 garrafas por 2$000,
toucinho a 4$000 o alqueire, 12 queijos grandes de kilo por 5$000,
etc, etc.
Eu
ouvi dizer que o Padre Luiz Chimango misturou ouro nos pilões de
socar ouro e logrou assim o Vigario Torres, quando comprou a Chacara
do Vigario em 1885. (sic)
OS
PIC-NICS E SEIAS FOLGUEDOS DEBAIXO DAS ARVORES DO CORREGO RICO –
DIAS DE ALEGRIAS DAS FAMILIAS PARACATUENSES
Que
alegria louca, que praser das famílias desta cidade passando o dia
de domingo ou feriado nas praias do Corrego Rico. É um costume,
hábito de varias famílias irem passar um dia alegre, de praser no
Corrego Rico, esquecendo as contrariedades, as agruras da vida e
doenças.
Padre
Manoel de Assunção Ribeiro foi quem mais apreciou as diversões, os
banquetes debaixo das arvores do Matinho do Corrego Rico, levando os
companheiros de musica da Corporação Fraternidade, o João de
Moraes, Prisco Silveira, Matias Mundim, Juca de Paquinha, etc, etc.
Para um banquete com leitão assado, bom vinho e pinga. Os seus
banquetes deixaram saudades, até a sua morte no ano de 1917.
O
BANQUETE DE 21 DE ABRIL DE 1885 NA PRAIA DO VIGARIO
Realisou-se
no dia 21 de Abril de 1885 um banquete por meu Pai o Tabelião
Euzebio Michael Gonzaga, minha Mai, Joana Lopes Gonzaga, os quaes
arrajaram os sócios com suas famílias: Herculano de Afonseca Silva,
Joãozinho de Afonseca Silva, Augusto de Afonseca Silva, cerca de
sessenta pessoas, inclusive os meninos, banquete que se realisou
debaixo dos arvoredos da Praia do Vigario Torres.
No
banquete havia fartura de tudo: impadas, leitão assado, lombos
cheios, frangos, patos, pirus, feijoadas, arroz, linguiças, hervas,
doces, vinho Geropiga a dez tostões a garrafa e aguardente da boa a
oitenta reis.
Desde
o romper da aurora que a carroça estava transportando os artigos e
generos para o banquete na Praia do Vigario e quatro cosinheiras,
inclusive a Maria Pantomina, o Joaquim Theobaldo, Bartholino de Pina,
João Moraes, Marcos Evangelista, Chico Alves e outros compareceram
com excelente orquestra.
Desde
cedo que os meninos e meninas, em turmas separadas, todos nus, com
vigias, foram tomar banho e brincarem nas limpidas aguas do Corrego
Rico, mostrando os corpinhos esculturaes, uns morenos outros alvos
como a neve, engraçadinhos, sorridentes, fasendo graça, mostrando
suas habilidades nos saltos. As meninas esculturaes, bonitinhas,
pareciam um grupo de Fadas, fasendo rodas e cantando, jogando agua
nas outras. Foi o dia mais feliz da minha vida em que eu brinquei a
valer, tão inosente, tão despreocupado. Nunca mais eu vi uma
reunião de tanta gente, tão alegre, com tão boa ordem.
O
meu tio Antonio Lopes apareceu trasendo o professor Antonio Caldeira
Brant, Zeco Cará, Libanio dos Monjolos e José da Silva, os maiores
Patusqueiros, jocosos, os quais foram logo fasendo graças, dançando
Maxixe – cantando AMOR É FOGO DO AR? EU NELE QUERO QUEIMAR; AMOR É
FOGO EU SOU A LENHA POI A LENHA NO FOGO LAZA VENHA (sic);
E
as gargalhadas dos presentes estrugiram como bombas numa alegria
louca.
Meninos
e meninas, esquecendo que estavam nús, vieram todos correndo,
presenciarem as graças e trejeitos dos dançadores. O almoço as 11
horas correu com grande animação e cantorias apropriadas. O
Caldeira suspendeu uma perna do leitão assado, dizendo: vai para
minha barriga, a tua morte foi um beneficio para estes gastronomos
saciarem a fome de treis dias. O Hermnegildo de Assenção foi
chegando e o Zeco Cará disse – Ele tem o faro fino, de longe
sentiu o cheiro das iguarias e do molho.
Foi
assim, com brincadeiras, na maior cordialidade, que foi servido o
lauto almoço. Meu pai chamou a Maria Pantomina dizendo: tome la esta
garrafa de vinho para vosse beber com as outras cosinheiras.
Tempos
bons foram aqueles da minha infancia, que não voltam mais, que
deixaram saudades dos meus oito anos.
Hoje
já completei setenta anos de idade e olho para o passado longinquo.
O
Vigario Padre Miguel Archanjo Torres foi lembrado com uma bandeja do
almoço com leitão assado, impada, etc.
A
VISITA AO VIGARIO TORRES EM SEU MIRANTE OU TORRE NO VARANDÃO DA RODA
DE SOCAR OURO
A
roda de socar pedras e cascalhos para tirar ouro, foi admirada pela
sua grande altura, chapeada de ferro, de grande potencia ou força,
com quatro braços poderosos, que suspendiam quatro mãos de pilão
pesadas, calçadas de ferro, que chiam sobre pilões de ferro, cheios
de pedras e cascalhos grossos, para serem reduzidos a pó, contendo
apresiavel quantidade de ouro. A roda era movida por muita água
vinda do Espalha, e que servia também, quando preciso, para
irrigação das lavouras.
Quatro
escravos estavam ali atentos no seu serviço, que era fiscalisado
pelo Vigario Torres de lá de cima do mirante ou torre.
O
bom Vigario Torres recebeu-nos com afabilidade, tendo lançado sua
benção sobre todas as pessoas presentes. Os meninos e meninas
pulavam de contentes vendo aquele maquinismo de socar ouro. Aquela
grande roda, aquele barulho grande das mãos de pilão socando
pedras.
Uma
menina curiosa perguntou-me Si eu comia daquela cangica? Cruz, credo,
eu respondi; mamai matou galinha eu vi pedrinhas na moela. Eu não
sou galinha.
Oh,
Valerio va buscar beijus com doce para estes meninos e trga tambem
limas e laranjas celetas para estas senhoras. Algum tempo depois, o
escravo Valerio voltou com a menina Camila e duas escravas trasendo
só artigos solicitados. Depois, o bom Vigario Torres nos levou até
a varanda do engenho que estava moendo cana; de um lado estavam duas
senhoras apurando garapa ao fogo; do outro lado estavam duas escravas
torrando farinha as meninas chegaram perto e disseram: beijus
gostosos e atiraram beijos nas escravas; os meninos bateram palmas, e
imitaram o gesto, atirando beijos.
O
José da Silva, que era espirituoso, mostrou as crianças atirando
beijos nas torradeiras de farinha; o Moraes disse: dos beijus fizeram
beijos na esperança de ganharem mais beijus, mas ficaram logrados.
O
Vigario Torres abriu uma porta no fundo da varanda do engenho e nos
mostrou as formas do grande sino do Rosario, que pesa mais quarenta
arrobas, do sino menor, o de Santo Antonio, etc, tudo bem
conservados, apesar dos anos, fundição que foi feita por uma
Companhia de Portuguezes.
Foi
uma admiração de todas as pessoas presentes, bem como do grande
pomar com arvores frutiferas plantadas em linha, de todas as
qualidades, os estenços mandiocaes, canaviaes, etc. Que chacara de
grande valor, bem cuidada.
Hoje
o que resta de toda aquela grandesa, daquela fartura? PASTO? CAPIM?
MENTALIDADE RASTEIRA? ATRASADA, tendo desaparecido todas as
propriedades, todas as lavouras, o rego de agua, varanda, mirante e
roda de socar ouro.
SANTO
DEUS AONDE IREMOS PARAR COM ESTE DESPRESO DAS LAVOURAS?
A
Chacara do Vigario é o logar mais apropriado para a edificação de
uma escola agricola, ou no Zé Pinto.
O
corrego do Espalha pode abastecer a cidade de Paracatu de agua
potavel excelente. O corrego do espalha tem possibilidades para mover
grandes maquinismos, como já o fez com a roda de socar ouro.
Tempos
ditosos foram aqueles de meus oito anos em 1885; eu recordo com
saudades de meus paes e de todos aqueles do dia festivo, que já se
foram, orando por todos eles, atirando flores e saudades.
Paracatu,
21 de setembro de 1947.
Olympio
Gonzaga aos 70 de edade.
Fonte:
Biblioteca Nacional do Brasil, Divisão de Manuscritos, verbete
“Olympio Gonzaga”.
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