Por
José Aluísio Botelho
Resgatamos, após minuciosas
pesquisas, alguns escritos de Olympio Gonzaga que se encontravam
desaparecidos, dentre eles, crônicas que escreveu para seu livro não
publicado, Lendas do Brasil Central, transcritas na grafia original,
tal como ele as concebeu, sem correções ortográficas e
gramaticais. Nos seus textos, as vezes ele não discerne fatos
históricos e ficção, personagens fictícios e reais, mostra
incoerência narrativa e comete equívocos históricos importantes.
Aos nossos leitores cabe avaliar a qualidade dos textos e sua
importância para a história de Paracatu.
Crônica
(Transcrição)
EXALTAÇÃO
POLÍTICA EM PARACATU NO ANO DE 1864
O Samba
bate-moleque em casa do Major Pina
Nota: à época em deu-se o
evento, o samba não existia enquanto gênero musical, e sim ritmos
musicais, que iriam no alvorecer do século vinte, propiciar o
surgimento do mesmo. Como o texto foi escrito na década de 1940,
tempo em o que o samba já era unanimidade nacional, o autor optou
por usar o termo. Acreditamos que o gênero musical utilizado na
festa foi o Batuque. O transcritor.
Crônica para as LENDAS DO
BRASIL CENTRAL, da autoria do historiador Olympio Gonzaga. Paracatu,
Minas Geraes.
Durante
a monarquia brasileira havia dois partidos políticos: O LIBERAL E O
CONSERVADOR. O primeiro era chefiado pelo Dr. Bernardo de Melo
Franco, de cor morena, apelidado de Rapadura. O Juiz de Paz Padre
José de Moura, conego de gola vermelha, era apelidado de Guaxo, um
professor publico primario mau, perverso com as crianças de sua
escola.
O
chefe do Partido Conservador era o Major João de Pina Vasconcelos,
de um metro e noventa de altura, moreno, cheio de corpo. Pesando
duzentos e dez kilos, notavel advogado, estimado de todos, Presidente
da Camara Municipal, que ficou satisfeitissimo ter ganho as eleições
municipaes, sendo eleito novamente seu Presidente, bem como seus
companheiros vereadores: o coronel Francisco de Paula Carneiro, o
tenente coronel Pedro Antonio Roquete Franco, o tenente coronel
Domingos Pimentel de Ulhoa, Caetano Rodrigues Horta, João José de
Santana e outros: Memoria Historica de Paracatu. O mandato durou
quatro anos.
A
derrota do partido Liberal, chefiado pelo Dr. Bernardo, residente à
rua de Goiaz, de vista da casa do seu adiversario Major Pina, foi
completa, esmagadora nas eleições. As seis casas pertencentes ao
(ilegível) Major Pina estavam literalmente cheias de eleitores deste
poderoso chefe politico.
O
povo desta cidade se ajuntou em casa do Major João de Pina
Vasconcelos o chefe querido de todos pelo seu trato lhano e afavel.
Em sua porta da casa de morada à rua dos Peres, apareceu numeroso
grupo de manifestantes: vivas e mais vivas, foguetes e (ilegível),
estridentes acordes de musicas (…..).
O
major Pina mandou preparar lauta ceia, doces, massas, café com
fartura; para servir ao povo em geral: leitão assado, perus, patos,
frango, (…), linguiças, paneloes (ilegível) de arroz, feijão à
tutu, baldes cheios de doce de varias qualidades, para servir a mais
de quatrocentas pessoas, durou vários dias da pomposa festa (…),
em regosijo de (trecho ilegível), suas casas cheias de eleitores e
gente, comendo, bebendo, dançando noite e dia (trecho ilegível)
eleiçoes de 21 Março de 1864.
Também
(trecho ilegível), bem como: Aurélio Avelino Pereira de Castro,
Carlos Avelino, Luiz de Sousa Machado, Miguel de Sousa Machado,
Joaquim Pimentel Barbosa, Manoel Pacheco de Carvalho, Augusto
Pimentel Barbosa, José Thomaz P. Barbosa, Antonio Roquete Franco,
Luiz de França Pinheiro, Jeronimo de Faria Leite, seu genro Pedro da
Serra, casado de novo com Dona Isabelinha, que foi uma das Rainhas
desta festa notavel, como eximia em qualquer dança de salão ou de
terreiro. Varias Barracas foram armadas nos terreiros das casas da
rua dos Peres.
O
sol ia se escondendo no horisonte da tarde de 21 de março.
O
povo desta (…), apaixonado pelos sambas e danças, trouxe Dona
Isabelinha e seu esposo para abrir as danças de terreiro dentro de
uma grande roda de pessoas tocando vários instrumentos e caxambús,
batendo palmas, castanholas.
O
jovem par foi para o centro da roda com ovações e vivas.
Sapatearam
com garbo e graça, tendo o Pedro da Serra erguido nos braços sua
bela esposa. Com passos cadensiados ao som da musica dos pandeiros,
cuicas, caxambús, pousando-a em terra e dando umbigadas do estilo,
assim, querida pomba, toma lá que eu me vou.
Com
as honras do estilo, estava inaugurada as danças do terreiro,
retirando-se o jovem par, sendo dona Isabelinha ser coroada de ouro
em pó. Apareceu a dona da festa a dona Eleutera, amasia do major
João de Pina Vasconcelos, uma rapariga bonita, cheia de corpo,
camisa de rendas, deixando transparecer os formosos seios, sapateando
com graça e elegancia, sendo acolhida com vivas, sendo fartamente
coroada de ouro por vários parceiros, que não se fartavam de dar
macias umbigadas segurando as cadeiras fartas, sedutoras desta
Rainha.
O
povo estava alegre e satisfeito, batendo palmas, entusiasmado com os
JAVIU (sic) jocosos de dona Euloteria de Matos.
Foi
quando entrou na roda o dono da festa major Pina com dois pajens
trasendo garrafois de vinho e bandeija de calices para servir os
dançantes.
Lá
no salão estava dona Isabelinha inaugurando as danças de salão com
o MINUETO E LANÇEIROS.
Tanto
as danças de salão com os sambas dos terreiros ocorreram com grande
animação. Duas grandes rodas de batuques estavam repletas de
mulatas e rapazes, dançando e cantando alegres. As mulatas
sapateavam com garbo, sacudindo os cordões de ouro, as meias luas
das orelhas, mexendo com as cadeiras, fasendo JAVIOS, dando umbigadas
nos parceiros, que as coroavam de ouro em pó: Amor é fogo no ar, eu
nele quero queimar; Amor é fogo eu sou lenha, ponha a lenha no fogo
la se venha.
Aquele
velhinho rico, joão Alves dos Reis, tambem cahiu no samba de animado
batuque, gastou cerca de uma garrafa de ouro, coroando as mulatas
dengosas. O Joaquim escravo do padre Moura, saltou o muro e foi tocar
caxambú na festa do Pina, bebendo vinho, comendo leitão assado,
passando bem.
O
major Pina com aquela fala gutural dizia: OH JOAQUIM, O GUAXO VIROU
SARACURA? O MELADO VIROU RAPADURA? E o Joaquim respondia: VIROU
SINHOSINHO; BATE MOLEQUE. Durante tres dias e tres noites era o que
retumbava em toda a cidade de Paracatu, o troar de caxambú, e bater
de palmas: O guaxo virou saracura, o melado virou rapadura. Joaquim?
Virou sinhosinho. O Dr. Bernardo de Melo Franco, chefe do partido
contrario, que perdeu as eleições, morava ali perto, de vista, à
rua Goiaz, e ficou furioso, posesso de raiva, com aqueles insultos
dia e noite sem parar.
Mandou
chamar o delegado de Policia com 8 soldados para dar termo, parar
aquele batuque infernal com insultos à sua pessoa e ao Conego Padre
Moura.
A
senhora do delegado não deixou ele ir em diligência arriscada. Foi
chamado o Dr. Juiz de Direito da Comarca Dr. Claudio Jeronimo
estocler (Stockler) de Lima para ir à casa do major Pina acabar com
aqueles insultos.
As
cinco horas da tarde do dia 27 de Março de 1864 o Dr. Estokler de
Lima bateu na porta, chamando o major Pina, tendo previamente
escondido os soltados no outão (sic) da casa de esquina, à rua do
Peres: Faça o favor, Major João de Pina? Oh, o Dr. por aqui? Entra,
entra, não faça cerimonia…. Venha servir de um pires de doce, um
calice de vinho, e de uma perna de leitão assado….--- Eu vim
aqui…. Espere, coma o doce primeiro, prove deste vinho, experimente
este leitão assado….e o major Pina não dava tempo da autoridade
falar, disfasendo-se em gentilezas, em agrados o major Pina, em seu
casarão com mais de trezentas pessoas na pomposa festa de SAMBA BATE
MOLEQUE, que ficou famoso nos anaes da historia.
Já
então, seu afilhado Bartholino de Pina e dona Euloteria de Matos
haviam postos dentro de casa 8 soldados, que tinham um soldo
mesquinho, que mal chegavam para algumas necessidades. Uma lauta
ceia, doces saborosos, bebidas diversas foram servidas aos soldados,
que comeram e beberam a fartar….e foram dançar no terreiro, sambar
a vontade, dando umbigadas nas mulatas e criolas até o clarear do
dia seguinte, sem briga, todos satisfeitos.
O
Dr. Estokler de Lima não arranjou nada neste dia e nem o caixambú
deixou de bater o samba BATE MOLEQUE --- O GUAXO VIROU SARACURA, O
MELADO VIROU RAPADURA, BATE MOLEQUE; como há de ser? Os soldados
sumiram…...terão ido embora? ----É provavel….É provavel….Disse
o Major João de Pina. As 9 horas da noite, depois de passar bem com
os melhores petiscos, doces, e bebidas.
Oh,
Bartholino, traga dois rapazes armados e vão levar o Dr. Juiz de
Direito em sua casa, de o braço a ele, e conduza-o com todo cuidado,
pois a noite esta escura e pode aparecer algum vulto malfasejo.
A
Cadeia Velha tocava nove horas, a recolher, cadeia que foi queimada
(de pau a pique) para o Nelço (Nelson) Pimentel Barbosa arrematar outra
cadeia.
Em
ultimo recurso, o Dr. Bernardo de Melo Franco apelou para o bom
vigario Miguel Arcanjo Torres, para ir acabar com os insultos daquele
batuque infernal, havia quatro dias e quatro noites sem parar um
momento, siquer.
O
sino da Capela da Matriz repicou, convocando o povo para levar o
SANTISSIMO SACRAMENTO NA RESIDENCIA DO MAJOR JOÃO DE PINA
VASCONCELOS. Todas as janelas se enfeitaram de vistosas colchas de
sedas e jarras de flores. Irmandade do SANTISSIMO, com toxeiras de
prata, o Vigario debaixo da Umbela, vários padres sacudindo
campainhas no prestito, quando o prestito chegou ao seu destino em
casa do major Pina, o caxambú parou de tocar e todo o povo foi
prostrar-se de joelhos, silenciosos, constritos.
Foi
assim que finalisou o samba BATE MOLEQUE em casa do major João de
Pina Vasconcelos.
Cronica
escrita pelo historiador Olympio Gonzaga para as LENDAS DO BRASIL
CENTRAL; Paracatu, Estado de Minas Geraes.
Fonte:
Biblioteca Nacional do Brasil, divisão de manuscritos, verbete
“Olympio Gonzaga”.
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