Por José Aluísio Botelho
Resgatamos, após minuciosas pesquisas, alguns escritos de
Olympio Gonzaga que se encontravam desaparecidos, dentre eles, crônicas que escreveu para seu livro não publicado, Lendas do Brasil Central, transcritas na grafia original, tal como ele as concebeu, sem correções ortográficas e gramaticais. Nos seus textos, as vezes ele não discerne fatos históricos e ficção, personagens fictícios e reais, mostra incoerência narrativa e comete equívocos históricos importantes. Aos nossos leitores cabe avaliar a qualidade dos textos e sua importância para a história de Paracatu.
Resgatamos, após minuciosas pesquisas, alguns escritos de
Olympio Gonzaga que se encontravam desaparecidos, dentre eles, crônicas que escreveu para seu livro não publicado, Lendas do Brasil Central, transcritas na grafia original, tal como ele as concebeu, sem correções ortográficas e gramaticais. Nos seus textos, as vezes ele não discerne fatos históricos e ficção, personagens fictícios e reais, mostra incoerência narrativa e comete equívocos históricos importantes. Aos nossos leitores cabe avaliar a qualidade dos textos e sua importância para a história de Paracatu.
Crônica (transcrição)
AS LAVOURAS DE MESSIAS DOS
REIS CALÇADO, NA SERRA DO TOMBADOR, EM PARACATU, MINAS GERAES
O comercio de Paracatu com a
Corte do Rio de Janeiro com as tropas de mulas e carros de bois,
conduzindo a escrava Teresa Mina, com 14 anos, dentro de uma panela
de alambique, no anos de 1820.
CHRONICA para o livro--
“LENDAS DO BRASIL CENTRAL” por OLYMPIO GONZAGA, autor de varias
obras que fizeram o ingresso do autor na ASSOCIAÇÃO DE IMPRENSA,
dos INSTITUTOS HISTORICOS NACIONAL, DE MINAS GERAES, GENEALOGICO
BRASILEIRO, etc., tendo recebido valiosos brindes do Instituto
Historico e Geografico do Rio de Janeiro.
O sol, o astro rei, que de
muito longe, domina a terra com seu esplendor de luz, nos dá o
exemplo de uma vida curta, efemera, no espaço de um dia – o Sol
nasce, o Sol morre, desaparece.
Assim é a vida do homem na
terra, cada um deles vem ao mundo e representa seu papel, bom ou mau
e desaparece para sempre, para nunca mais voltar.
No correr de uma eternidade,
um seculo parece um dia. Uma existencia é um momento fugaz, uma
pequena parcela dos anos que correm para a insondavel eternidade.
Quanta gente boa, de realce na sociedade, até doutores de nomeada,
depois de morto seu nome cahe no esquecimento, até se extinguir e
desaparecer completamente, no correr dos anos.
Somente a historia tem o poder
extrahordinario de gravar, de reviver o passado, qual escafandro que
desceu ao fundo dos mares para trazer as perolas valiosas.
A lendaria cidade de Paracatu,
em Minas Geraes, é o rincão que viu passar uma legião de homens
notaveis, quaes meteoros que deixaram um rastro de luz na historia….
Assim foi o agricultor MESSIAS DOS REIS CALÇADO o famoso fasendeiro
da SERRA DO TOMBADOR, com tresentos escravos(sic), dez engenhos,
sendo alguns movidos por agua, legoas de lavouras a perder de vista.
Messias dos Reis Calçado é filho de Alexandre dos Reis Calçado(
Alexandre dos reis Calçado faleceu em 1816 – grifo nosso),
capitalista, fasendeiro abastado, que comprou por 225 oitavas de ouro
treis grandes fasendas da Serra, Santo Aurelio e Boa Sorte que foram
do famoso negociante do largo do SANTANA Antonio de Oliveira Braga,
de quem foi testamenteiro e herdeiro em 29 de setembro de 1795, deste
homem solteiro, seu parente (sic) e amigo, legando numerosos
escravos, minas de ouro e bens.
O espaçoso sobrado da SERRA
DO TOMBADOR era a morada predileta de Alexandre e Messias, tendo um
sino na janela do sobrado, para chamar os escravos ao trabalho. Era
uma fasenda de grande movimento, com grandes sensalas, cercade de
muros altos, dilatados pomares com sasonados frutos de todas as
qualidades, grandes lavouras de cana de açúcar, roças de milho e
vários cereaes, regradas com agua abundante, havendo verduras o anos
todo.
Haviam tambem engenho de cana
movido por agua, roda de agua de socar, moinho, monjolo, varandas de
engenhos, 10 engenhos, 12 carros de bois, numerosas rodas de fiar
lindos tessidos de lã, para serem vendidos na Corte do Rio de
Janeiro, etc., etc.
O fasendeiro Messias dos Reis
Calçado cazou-se com dona Tereza Pereira do Lago, e quando faleceu
aos 96 anos de idade, em 26 de janeiro de 1862, sem testamento,
deixou a viuva com duas filhas menores – Quirina e Maria, de 14 e
13 anos de edade, e outros filhos legitimados, bem com José dos Reis
Calçado, que se casou com Josefina Dantas Barbosa, que era filha do
cel. José Antonio Dantas Barbosa e Da. Gertrudes Silveira (Ferreira,
grifo nosso) Braga.
Nota
relevante do transcritor: alertamos o leitor que existiram dois
Messias dos Reis Calçado: o pai e o filho. O autor comete um
equívoco genealógico, ao não discernir os personagens e suas
histórias de vida.
Para
situar o leitor, o pai, coronel Messias dos Reis Calçado, filho de
Alexandre José dos Reis Calçado, nascido por volta de 1785, e já
falecido em 1851(portanto, não viveu 96 anos); e o filho Messias
Júnior, falecido em 1862, casado com Teresa Pereira do Lago.
Parece-nos que a narrativa do autor era relativa as vivências do
filho, e não do pai, como deixa transparecer o texto.
Para
saber mais: genealogia dos Reis Calçado: clique AQUI.
Pelas 5 horas da manhã o sino
do sobrado tocava a despertar os escravos, que se atiravam nos
tanques de banho, como cardumes de peixes, e vinham todos tomar café
com farofa de carne.
As 6 horas o sino dava o sinal
de partida para o trabalho. Da janela do sobrado se avistava aquele
imenso tapete verde das lavouras a perder de vista, presenciando
aquela fila interminavel de escravos com ferramentas ao ombro,
marchando para o trabalho, batendo as alpercatas: LEPO - TELEPO, LEPO
– TELEPO.
Ao meio dia, seguiam para as
lavouras, diverças carroças com as refeiçoes dos escravos, cujo
cheiro de bons petiscos anunciava ao longe. Havia tambem abundante
merenda de varias frutas e doces secos. COM AQUELE TRATAMENTO os
escravos trabalhavam com gosto, alegres, cantando em patuás de
língua africana, misturada com língua portuguesa.
Quando todas as maquinas da
lavoura estavam em movimento: o engenho d'água, roda de socar,
moinhos, monjolos, rodas de fiar, etc., - era um quadro animador, uma
belesa os hinos cantados no trabalho por aquelas gentes simples,
mostrando todos satisfeitos.
Ao cahir da tarde, hora das
Matinas e recolhimento, o sino da janela do sobrado tocava a
recolher, tocava as Ave Maria---era a hora do jantar na fasenda da
Serra do Tombador.
QUEM CHEGAVA À JANELA DO
SOBRADO DA FRENTE VIRIA UMA FILA INTERMINAVEL DE ESCRAVOS VINDOS PARA
A FASENDA TODOS DE CABEÇA BAIXA CHAPEUS NAS MAOS RESANDO PELA
ESTRADA PENSANDO EM DEUS e na seia do jantar, batendo as alpercatas
nas estradas---lepo - ti lepo, lepo - ti lepo…
O jantar dos escravos estava
convidando o apetite pelo cheiro dos suculentos dos pratos de feijão
com trupico de focinho de porco, carne cheia de hervas, aboboras,
mandiocas, bolinhos de cará com ovos, molho de pimenta com tomate e
sebola, etc. As mezas da quele varandão das sensalas eram iluminados
por candieiros de cobre de treis bicos, com luz de azeite, que
estavam dependurados no teto.
Quando o sinhô Messias e dona
Tersa do Lago APARECE COM AS ESCRAVAS TRASENDO GARRAFÕES DE
AGUARDENTE PARA SEREM DISTRIBUIDOS O PRECIOSO LIQUIDO FORAM RECEBIDOS
COM UMA SALVA DE PALMAS E VIVAS? PONDO-SE TODOS DE PE; De entre os
escravos la se achavam: Pedro barqueiro (famoso nas obras de Afonso
Arinos, o escritor patricio), Joaquim Nagou (feiticeiro famoso),
Joaquim Mironga, Remigio, o feitor Nicolau Angola, um cabra alto,
espigado, como um vara pau, olhos grandes, mal encarado que
apresentou ao sinhô Messias dois escravos amarrados, de castigo, e
deviam passar a noite sem jantar, naquele estado amarrados.
Estes dois malandros, Remigio
e Martinho estão de castigo, porque procederam mal no eito, com
brigas e rusgas. Nem as pancadas doiam tanto nos escravos como passar
a noite amarrados, com a barriga roncando de fome, lembrando aquela
seia cheirosa.
Assim o Messias se aproximou
do grupo rebelde, estes se puseram de joelhos, pedindo clemencia, e
misericordia, pedindo mil desculpas e prometendo nunca mais brigarem
no eito da capina das roças e disseram a um só tempo:- VOSAMICE NOS
PERDOA; -Disse o Messias:- estão perdoados, mas não caiam em outra
asneira.
O Pedro Barqueiro e outros
escravos vieram chegando com seus cuités solicitando mais pinga
–isso é bom esquenta ca dentro e faz dormir sossegado.
A escrava Teresa entregou mais
um garrafão de aguardente para ser distribuido com os reclamantes.
*Eu
conheci a velha Teresa em casa do professor Julio de Melo e de João
Macedo. A qual me contou que veio da Corte do Rio de Janeiro no ano
da INDEPENDENCIA DO BRASIL em 1822, com 14 anos, em carro de bois de
sinho Messias, dentro de uma panela de alambique, oito carros, quatro
meses de viagem. O sinho Messias, seu pai Alexandre(sic), O Ouvidor
Dr. Antonio Paulino Limpo de Abreu, o Vigario Melo Franco alcançaram
os carros pertinho da vila de PARACATU. Chegamos todos nas Vesperas
de Natal de Nosso Sinhô. Ih, sinhosinho foi um festão, uma alegria
doida do povo, dos mineiros, dos escravos, das guardas IMPERIAIS.
Houve muito vinho, aguardente, dancas de salão, catiras, batuques
nos terreiros, durante treis dias e treis noites.
No fim de cada mez, o sinho
Messias dava duas rezes e treis dias para seus escravos sambarem,
divertirem.
*Nota: o
trecho acima sugere vivências do Messias pai.
Na Entrada de Ano Bom de 1823
foi um festão na fasenda da SERRA DO TOMBADOR. Os escravos sahiram
para os terreiros das sensalas com seus apetrexos de danças: cerca
de cinquenta escravas e tresentos escravos (sic); Pedro Barqueiro,
Joaquim Nagou, Remigio e Pai José entraram na roda dos velhos,
tocando canzambe, guitarra, viola e sanfona, desferindo esta canção
das prinsesa que se perdeu com um escravo:
“Pera seis horas quando Vera
a mucamba, (BIS)
Café xincurate me trouxe na
cama (BIS)
Eu baxa a cabeça eu rogo
rotudo (BIS)
Lenço, dim babado, coxao dan
verudo (BIS)
Era bem cedo, quando ela me
disse: (BIS)
Sahisse devagar, que ninguém
peresentisse (BIS)
Os sambas dos escravos
correram animados com palmas cadenciadas, sapateados, tregetos,
graçolas; As umbigadas nas crioulas e mulatas estalavam—FUAPO,
FUAPO, até o clarear do dia do ANO BOM, dia de alegria, dia de
resas.
O sino dos sobrado repicou as
6 horas, convidando o povo para resar a ladainha dos SANTOS.
As danças seçaram e todos se
ajoelharam no terreiro e se puseram a resar.
O sol apareceu no horisonte
iluminando ao longe uma grande comitiva de gentes do Salgado e das
Pedras dos Angicos (JANUARIA E SAO FRANCISCO), que vinham trasendo
mercadorias do Porto de Sussuapara, no rio Paracatu, para trocarem
por odres de aguardente e outros artigos da fasenda do Messias, que
havia chegado a pouco da Corte do Rio de Janeiro trasendo fasendas,
ferragens e muitas novidades, para trocar.
O VICIO DO JOGO E DO ALCOOL
No
ultimo quartel da vida do notavel agricultor Messias dos Reis
Calçado, o famoso homem destes sertoes, perdeu seu pae, a estrela
guia tutelar de seus passos; TENDO FALSOS AMIGOS O ARRASTADO PARA O
VICIO DO JOGO E DO ALCOOL; sua mulher, toda carinhosa, tao solicita e
cuidadosa com seu esposo MESSIAS, não conseguiu chamal-o
ao bom caminho, afastal-os
falsos amigos e da perdição.
Tudo
em vão, tudo perdido, passando a ser maltratada até com pancadas,
retirando-se para a casa de seus parentes em SANT'ANNA DOS ALEGRES,
com suas duas filhas. Dona Theresa Pereira do Lago chorou muito,
curtiu noites bem amargas com a separação de seu esposo,
completamente
transformado, arruinado,
pondo tudo fora, arrastado por falsos amigos, que roubavam seus
valores nas bancas de jogo – 300 reses e 20 escravos, hoje mais
duzentas cabeças de porco, mais dois carros de bois com suas
boiadas; e assim o poderoso MESSIAS foi sendo reduzido à miseria…..
Varias grandes fortunas em
Paracatu foram tambem dissipadas nas bancas de jogo de LASQUINET,
PACAU, roleta, etc.
Os aspectos da vida de MESSIAS
DOS REIS CALÇADO: o seu esplendor na primeira fase da vida e sua
ruina no fim da vida pelo vicio do jogo e do alcool é um exemplo
para todos, um espelho para se fugir dos falsos amigos que nos
arrastam para a perdição, à pobresa, à ruina do corpo e da alma,
mudando o genio da pessoa, um louco, que dispresa a sua propria
famila, maltratando-a, tornando-se um ente nogento e dispresado de
todos na sociedade.
Esta
cronica foi escrita deante de valiosos documentos dos velhos arquivos
e do inventario do próprio Messias dos Reis Calçado, que
faleceu em sua fasenda da Serra do Tombador, sendo seu corpo
conduzido a sua casa à rua Goiaz, sendo sepultado na Egreja do
Rosario, aos 29 de Setembro de, digo, aos 26 de Janeiro de 1862, com
96 (sic) de edade.
Nota:
este trecho claramente é parte da vida do filho, que faleceu na data
acima.
Esta cronica foi escrita por
Olympio Gonzaga, coletor federal aposentado, PARACATU, ESTADO DE
MINAS GERAES.
Fonte: Afonso Arinos na intimidade - Biblioteca Nacional do Brasil, divisão de manuscritos.
Fonte: Afonso Arinos na intimidade - Biblioteca Nacional do Brasil, divisão de manuscritos.
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